IMUNIDADE DAS CONTRIBUIÇÕES DO “FUNRURAL” NAS EXPORTAÇÕES INDIRETAS

O artigo 149, § 2º, inciso I, da Constituição Federal[1], estabelece a imunidade das contribuições sociais sobre as receitas decorrentes de exportação. Porém, durante muito tempo perdurou a discussão se o referido benefício abarcaria a contribuição do “Funrural” nas exportações indiretas realizadas por meio de trading e empresas exportadoras.

O benefício fiscal da imunidade foi afastado pela Receita Federal do Brasil, com base no artigo 245, §§ 1º e 2º, da Instrução Normativa da RFB n.º 3[2], e, posteriormente, pelo artigo 170, §§ 1º e 2º, da Instrução Normativa da RFB n.º 971, de 2009[3], que revogou a anterior.

Os dispositivos estabeleciam que a imunidade prevista na Constituição Federal somente poderia blindar a incidência das contribuições sociais decorrente da comercialização de produção realizada diretamente com o adquirente do exterior, uma vez que a operação com empresas intermediárias dentro país é proveniente do comércio interno e não externo, não abarcando o referido benefício fiscal.

Ocorre que o Supremo Tribunal Federal ao julgar a ADI n.º 4.735 e o Recurso Extraordinário n.º 759.244, com repercussão geral, reconheceu a imunidade tributária nas exportações indiretas e afastou a limitação imposta pela Receita Federal do Brasil, declarando a inconstitucionalidade dos dispositivos retromencionados, como se vê pelas ementas dos julgados, respectivamente, colacionados a seguir:

CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS E DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO. ART. 170, §§ 1º e 2º, DA INSTRUÇÃO NORMATIVA DA SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL (RFB) 971, DE 13 DE DEZEMBRO DE 2009, QUE AFASTA A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA PREVISTA NO ARTIGO 149, § 2º, I, DA CF, ÀS RECEITAS DECORRENTES DA COMERCIALIZAÇÃO ENTRE O PRODUTOR E EMPRESAS COMERCIAIS EXPORTADORAS. PROCEDÊNCIA.

1. A discussão envolvendo a alegada equiparação no tratamento fiscal entre o exportador direto e o indireto, supostamente realizada pelo Decreto-Lei 1.248/1972, não traduz questão de estatura constitucional, porque depende do exame de legislação infraconstitucional anterior à norma questionada na ação, caracterizando ofensa meramente reflexa (ADI 1.419, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 24/4/1996, DJ de 7/12/2006).

2. O art. 149, § 2º, I, da CF, restringe a competência tributária da União para instituir contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico sobre as receitas decorrentes de exportação, sem nenhuma restrição quanto à sua incidência apenas nas exportações diretas, em que o produtor ou o fabricante nacional vende o seu produto, sem intermediação, para o comprador situado no exterior.

3. A imunidade visa a desonerar transações comerciais de venda de mercadorias para o exterior, de modo a tornar mais competitivos os produtos nacionais, contribuindo para geração de divisas, o fortalecimento da economia, a diminuição das desigualdades e o desenvolvimento nacional.

4. A imunidade também deve abarcar as exportações indiretas, em que aquisições domésticas de mercadorias são realizadas por sociedades comerciais com a finalidade específica de destiná-las à exportação, cenário em que se qualificam como operações-meio, integrando, em sua essência, a própria exportação. 5. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente.

(Ação Direta de Inconstitucionalidade 4735, Relator(a):  Min. Alexandre de moraes, Tribunal Pleno, julgado em 12/02/2020, DJe-071 divulg 24-03-2020 public 25-03-2020)



RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. DIREITO TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DAS EXPORTAÇÕES. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. RECEITAS DECORRENTES DE EXPORTAÇÃO. EXPORTAÇÃO INDIRETA. TRADING COMPANIES. Art.22-A, Lei n.8.212/1991.

1. O melhor discernimento acerca do alcance da imunidade tributária nas exportações indiretas se realiza a partir da compreensão da natureza objetiva da imunidade, que está a indicar que imune não é o contribuinte, ‘mas sim o bem quando exportado’, portanto, irrelevante se promovida exportação direta ou indireta.

2. A imunidade tributária prevista no art.149, §2º, I, da Constituição, alcança a operação de exportação indireta realizada por trading companies, portanto, imune ao previsto no art.22-A, da Lei n.8.212/1991.

3. A jurisprudência deste STF (RE 627.815, Pleno, DJe1º/10/2013 e RE 606.107, DjE 25/11/2013, ambos rel. Min.Rosa Weber,) prestigia o fomento à exportação mediante uma série de desonerações tributárias que conduzem a conclusão da inconstitucionalidade dos §§1º e 2º, dos arts.245 da IN 3/2005 e 170 da IN 971/2009, haja vista que a restrição imposta pela Administração Tributária não ostenta guarida perante à linha jurisprudencial desta Suprema Corte em relação à imunidade tributária prevista no art.149, §2º, I, da Constituição.

4. Fixação de tese de julgamento para os fins da sistemática da repercussão geral: “A norma imunizante contida no inciso I do §2º do art.149 da Constituição da República alcança as receitas decorrentes de operações indiretas de exportação caracterizadas por haver participação de sociedade exportadora intermediária.”

5. Recurso extraordinário a que se dá provimento.
(Recurso Extraordinário 759244, Relator(a):  Min. Edson fachin, Tribunal Pleno, julgado em 12/02/2020, DJe-071 divulg 24-03-2020 public 25-03-2020)

Assim, o STF concluiu que a comercialização de produtos ao exterior por meio de tradings não se trata de operação realizada no mercado interno, mas sim destinada à exportação, sendo vedada a incidência da contribuição social do “funrural” em razão do benefício fiscal da imunidade tributária, nos termos do artigo 149, § 2º, inciso I, da Constituição Federal.

A acertada decisão está de acordo com as normas constitucionais e permite que os produtores menores comercializem seu produto no mercado externo, bem como impede que sejam exportados tributos, tornando o Brasil um país mais competitivo no comércio internacional.


[1] Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.

(…)

§ 2º As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo:         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)

I – não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação;      

[2] Seção III Exportação de Produtos

Art. 245. Não incidem as contribuições sociais de que trata este Capítulo sobre as receitas decorrentes de exportação de produtos, cuja comercialização ocorra a partir de 12 de dezembro de 2001, por força do disposto no inciso I do § 2º do art. 149 da Constituição Federal, alterado pela Emenda Constitucional nº 33, de 11 de dezembro de 2001.

§ 1º Aplica-se o disposto neste artigo exclusivamente quando a produção é comercializada diretamente com adquirente domiciliado no exterior.

§ 2º A receita decorrente de comercialização com empresa constituída e em funcionamento no País é considerada receita proveniente do comércio interno e não de exportação, independentemente da destinação que esta dará ao produto.

[3] Art. 170. Não incidem as contribuições sociais de que trata este Capítulo sobre as receitas decorrentes de exportação de produtos, cuja comercialização ocorra a partir de 12 de dezembro de 2001, por força do disposto no inciso I do § 2º do art. 149 da Constituição Federal, alterado pela Emenda Constitucional nº 33, de 11 de dezembro de 2001.

§ 1º Aplica-se o disposto neste artigo exclusivamente quando a produção é comercializada diretamente com adquirente domiciliado no exterior.

§ 2º A receita decorrente de comercialização com empresa constituída e em funcionamento no País é considerada receita proveniente do comércio interno e não de exportação, independentemente da destinação que esta dará ao produto.

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